quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Mãos


As mãos são feitas para a entrega e a posse. Não para o tocar de dedos, solene e frouxo, com que nos despedimos. Era como se não conhecessem cada beleza e defeito de nossos corpos no cego tatear dos afagos em tantas indormidas madrugadas.
Duas estranhas não mais sabiam o dialeto das mãos apaixonadas que trocam segredos e riem cúmplices das lembranças inconfessáveis. Não mais que mãos sociais que se despediam.
Rapidamente e muito de leve estiveram juntas, quase com pudor, como se não fossem as mesmas das descobertas e procuras solidárias em que se completavam mutuamente. Constrangidas separaram-se fugindo de todo o bem que não mais teriam, ainda que permanecessem uma na outra para sempre.
Partiram, enfim, para a melancolia que somente mãos sozinhas podem sentir e que estaria nelas doravante. Como pássaros voando em sentido contrário, perderam-se definitivamente na imensidão dos espaços e vôos solitários que jamais as levariam de retorno ao sul.
As mãos têm quase vida própria na independência dos movimentos de seus dedos. Quando entrelaçados representam a felicidade de hoje e a esperança de continuidade no futuro. Indicadores erguidos demonstram o exercício imperioso da vontade de cada um, e os anulares, já sem o símbolo do amor jurado eterno, sinalizam para um desfecho, como se tudo não representasse mais que um mau negócio a ser dissolvido. E sabem dar recados: Vem meu amor, odeio-te, acabou.
Belas e suaves quando se doam, ou retraídas e enfezadas quando pertencem apenas aos seus donos, aliam-se aos olhos para serem mensageiras de corações e mentes. Dóceis e possuídas. Frias e racionais. Racionais e frias eram aquelas mãos. Não mais as nossas mãos.

Alberto Cohen